"Tenho pensamentos que, se pudesse revelá-los e fazê-los viver, acrescentariam nova luminosidade às estrelas, nova beleza ao mundo e maior amor ao coração dos homens." (Fernando Pessoa)


quarta-feira, 28 de julho de 2010

Pai - Sabedoria na simplicidade


Uma mensagem para pais e filhos ...

Do livro carta entre amigos - Padre Gabriel Chalita e Padre Fábio de Melo


Ainda criança, em uma excursão para um parque de diversões, experimentei a dor preenchendo o meu tal fluxo de vivências. A história se deu mais ou menos assim. Éramos um ônibus de crianças conduzidas por dois ou três professores. Chegamos ao parque. Os brinquedos nos deixavam alucinados. Era emocionante para nós, meninos interioranos, explorar o grande parque de diversões da capital. A adrenalina misturava-se à alegria e à molecagem. Assim, furávamos fila. Discretamente. Tínhamos a desculpa da pouca idade. E tudo era festa. Até que, quase no horário do retorno, furamos mais uma vez a fila de um brinquedo chamado Montanha Encantada. Eu e mais uns quatro. Quietinhos, entramos; e quietinhos, ficamos. Uma mulher, entretanto, não se conformou com nossa audácia e começou a dizer as piores ofensas. Ela tinha razão, então nos fizemos de distraídos. Foi quando um homem resolveu nos defender. Alegou que éramos crianças nos divertindo. A mulher ficou ainda mais irritada dizendo que exatamente por sermos crianças é que deveríamos ser corrigidos. Ele tentou dizer alguma coisa e ela soltou um sonoro “cala a boca”. Ele retrucou e ela avançou sobre o homem. Deu um tapa em sua cara. Ele retribuiu. E nisso chegou o marido dela. E uma confusão tomou conta daquela fila. Vieram os seguranças e nós saímos correndo em direção ao ônibus. Chegamos ofegantes. Cheguei entristecido. Eu sabia que não devia furar fila. E o que mais doía é que o homem que tinha me defendido estava agora em uma situação ruim. Contei a história meio choramingando a um dos professores e ele, vendo meu pânico, a piorou. “Parece que mataram o homem.” Meu Deus, como sofri naquela viagem. Tinha vergonha de chorar. Escondi-me de mim mesmo aos oito ou nove anos de idade. Cheguei em casa angustiado. Quando vi meu pai, abracei-o e chorei muito antes de conseguir contar a história. Meu pai primeiro me abraçou em silêncio, depois encontrou uma saída para aliviar a minha preocupação. “Filho, vamos ver a notícia na televisão. Se o homem morreu, eles mostram. Se não mostrarem, é porque nem machucado ele ficou.” Eu acreditei. E fiquei de mãos dadas com ele até a última notícia.

Ah, pai amado, quanta sabedoria na sua simplicidade! Padre, como é importante termos espaços para narrarmos as nossas perdas em casa. Pais que nos escutem primeiro para depois apontar outros horizontes. Meu pai era assim, resolvia comigo as minhas dores. Era preciso sentar ao lado dele para que pudéssemos descobrir juntos o desfecho. Ele não ridicularizava a minha dor. Era uma brincadeira do professor, apenas. Mas não importava. Se eu estava sofrendo, era preciso respeitar. E, depois do alívio, o ensinamento. “Filho, nessas horas a gente aprende que é bobagem fazer a coisa errada.” E mais nada. Um sorriso. Um beijo de boa noite. E mais nada. E do que mais eu precisava naquela noite intranquila? Da segurança de suas mãos grandes. Meu pai tinha mãos grandes e nós brincávamos de ver quanto faltava para que minhas mãos superassem as suas. Um dia, as minhas mãos ficaram maiores. No começo, eu as encolhia um pouco para que as suas mãos continuassem sendo as vitoriosas.

Amigo, no dia em que ele morreu, brincamos um pouco antes, no hospital, de ver quem tinha a maior mão. Novamente, encolhi um pouco a minha para que ele ganhasse. Do alto dos seus 84 anos, ele me disse: “Filho querido, eu sei que a sua mão é muito maior do que a minha, mas isso não é um problema para mim, ao contrário”.

Essa não era a admissão de uma derrota. Era a sua vitória. Meu pai queria que eu crescesse e não competia comigo. Minha vitória era a sua vitória. Minhas inquietações eram acalentadas em sua paciência. “Paciência, filho”, era quase que uma jaculatória. Quando alguma coisa não saía do jeito que eu queria, “paciência, filho”; quando a doença chegava e alguns planos tinham de ser desfeitos, “paciência, filho”. Até nas derrotas bobas do meu time de futebol. Eu chegava em casa cheio de desculpas por ter perdido, e ele ouvia, e depois lançava, “paciência, filho”. É, pai, como esta virtude faz falta: paciência.


Carta entre amigos - Sobre ganhar e perder
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